eu só conto histórias verdadeiras acreditem porque também não gosto nada de passar por mentirosa mas uma vez que ninguém apreciou as ranhocas vou mudar de assunto para a rainha dona Amélia só porque hoje é o dia que é e a gente deve sempre lembrar-se do que deu origem a quê se bem que para aqui não interessa nada o certo é que a rainha dona Amélia tinha nada mais nada menos que um metro e oitenta e dois de altura uma autêntica amazona não consigo descobrir a altura do rei calculo que a tenham omitido só para contrariar de qualquer forma a senhora voltou para França de onde veio depois de lhe subtraírem o marido e um dos filhos e o antónio de oliveira salazar mandou-lhe uma bandeira portuguesa em mil novecentos e trinta e nove para ela ter em casa calculo que para a proteger de alguma distracção nazi porque segundo me lembro o senhor antónio dava-se bem com uns e outros até mandou preparar uma companhia de artilharia para intervir na guerra eu sei porque o meu tio e o meu pai estiveram em torres novas nessa companhia que ele considerava de elite e para onde foram uma data de meninos bem porque sabiam montar embora os cavalos já não se usassem para puxar canhões desde a primeira grande guerra ali no seio das elites de salazar era assim com uma data de tenentes com nome de família muito empertigados na sela e o chefe de estado a mostrar a sua elite de reserva ora aos boches ora aos ianques de cada vez que vinham trocar assinaturas em acordos que o povo desconhecia e eles agradeciam muito tanto os boches como os ianques e deviam sair dali a dizer safa que o tipo é mesmo retrógrado já nessa altura claro que o que o homem queria era isso mesmo que de Portugal não saiu nem uma ferradura à conta das visitas às elites montadas e armadas lusitanas e assim passou a guerra só que o meu pai que também montava bem mas não tinha jeito nenhum para as máquinas e isso continuou pela vida fora com ele a dizer que não nos preocupássemos de cada vez que avariava um relógio ou um transístor que ele arranjava e de facto fazia-o mas no fim sobravam sempre peças que ele garantia que estavam a mais e portanto não faziam falta o certo era que relógios e transístores feneciam cerca de cinco segundos depois de completada a reparação para nunca mais funcionarem mas como estava a contar o meu pai montava muitíssimo bem e ficava impressionante no seu uniforme impecavelmente passado a ferro e um sorriso confiante que fazia com que ficasse sempre lindíssimo nas fotografias mas não percebia nada de máquinas o certo é que o comandante da tal companhia de elite mandou-o chamar a dias de ele acabar o seu tempo de tropa e explicou-lhe que do quartel dele não saía nenhum oficial sem a carta na altura era uma modernice mas o homem tinha lá as suas convicções e foi assim que um impedido teve quarenta e oito horas para ensinar ao meu pai os segredos do automóvel e cumprir o mando do comandante que lhe passou a carta e o dispensou é claro que uns anos mais tarde e nas seguríssimas picadas moçambicanas os ensinamentos do impedido tiveram amplo uso sendo que nenhum macaco pássaro ou antílope alguma vez abriu o bico para delatar os solavancos do jipe willis pelo mato fora o certo é que nunca percebi como é que os nervos da minha mãe resistiram a tanta engrenagem chiante por força das desatentas mudanças de velocidade só que ali não havia outros espectadores era só seguir em frente o pior eram as pontes daquelas que nem se vêem nos filmes só nos desenhos animados com dois troncos atirados de margem a margem e ele a dizer fechem os olhos que vou fazer pontaria e um dia eu não aguentei o nervoso miudinho e olhei e ainda fiquei pior que ele fazia mesmo o que dizia fechava o diabo dos olhos quando atirava com o jipe para cima dos troncos deve ter sido milagre nunca cairmos à água que tifo apanhávamos pelo menos mas para quem aprendeu a conduzir com o impedido que por natureza e por obrigação regulamentar não podia dar ordens ao seu desinteressado pupilo até ia bastante bem claro que quando chegava a uma cidade distraía-se a dizer adeus às pessoas e batia invariavelmente no carro da frente
publicado por manchinha às 16:08