Eu cá maravilho-me com tudo o que é brinquedo, adoro o Toys R Us e todas as lojas de brinquedos, livros infantis e até a quinquilharia que se descobre nas feiras, nos trezentos, nos supermercados, nas papelarias. Ainda bem que odeio colecções
As bonecas, no entanto, nunca foram a minha praia, muito menos as barbies, objecto de devoção das minhas irmãs, mais tarde transformado numa espécie de punição pessoal pelo interposto amor que lhes dedicava a minha filha. A criatura não só herdou a colecção das tias, como parecia receber a visita de um mensageiro divino de cada vez que uma nova barbie aparecia no mercado.
A convivência forçada com dezenas de perfeitas e esculturais american girls acabou por baixar os braços da minha resistência às prateleiras de barbies, vestidos, sapatos, adereços às tantas apareceu uma espuma moldável que se colava como chiclete em tudo em que caía
- e infindos debates sobre o que era bom e mau para as criaturas.
Acabei mesmo por desenvolver uma certa simpatia pelas bonecas e até dei por mim a defendê-las do cão que também nutria uma paixão imbecil por elas, do aspirador que engolia as escovas, os brincos e os cintos, etc.
Apesar de toda a minha antipatia inicial, nada me fazia suspeitar do passado obscuro do role model de todas as garotinhas.
Por acaso, fiquei a saber que a american girl tem nome completo e data de nascimento: Barbie Millicent Roberts, nascida a 9 de Março de 1959. E não é tudo.
Os senhores da Mattel, dando provas de grande profissionalismo e conhecimento das minúcias do marketing, compuseram-lhe uma biografia completa: pais, irmãos, escola primária e secundária perfeitamente identificadas (Willows High School em Willows, no Wisconsin e aqui é preciso realçar que a pikena é uma eterna estudante liceal, o que não a impede de prosseguir carreiras como médica, astronauta, piloto do NASCAR e modelo adolescente, claro), montes de amigos e o incontornável namorado-Ken, brevet de piloto (quando não exerce as funções de hospedeira), 38 animais de estimação gatos, cães, cavalos, um panda, um leãozinho bebé e uma zebra e vários descapotáveis cor-de-rosa, atrelados, etc.
Escavando um pouquinho mais, acabei por me deparar com mais umas quantas informações úteis. O nome é um diminutivo de Barbra Handler, filha de Ruth Handler e Elliot Handler, fundadores da Mattel. A Ruth (quanto a mim a verdadeira Barbie), reparou que a filha gostava mais de brincar com bonecas do que com as amigas. E aquilo martelou-lhe a cabecinha, não sei se por mor do rebento, se por puro instinto comercial.
O que é certo é que, numa viagem à Alemanha, descobriu a boneca, a Lilli, que comprou para a filha e transformou para a Mattel. A Lilli era loura (como a Marlene D. que lhe terá servido de inspiração), mas virou morena na Mattel (nessa altura os americanos tinham um fraquinho pelas morenas que mais tarde veio a legitimizar-se na pessoa da Jacqueline Kennedy que, aliás, serviu de modelo a parte da filosofia da american girl). A boneca foi apresentada a 9 de Março de 1959 (olha
nasceu uma estrela!) na Feira de Brinquedos anual de Nova Iorque.
Acontece que a Lilli original, era na realidade uma personagem ousada (isto é um eufemismo, compreendam
.) de uma banda desenhada criada pelo senhor Reinhard Bentheim para o Das Bild, e vendia-se na Alemanha desde 1955. Mas era comercializada para adultos e não para crianças. Como diz a senhora M. G. Lord em Forever Barbie: A Biografia Não Autorizada de uma Verdadeira Boneca, que descreve a Lilli original como um gadget masculino, uma boneca/personagem pornográfica.
Portanto, a Barbie é, afinal, apenas mais uma quarentona com dinheiro para as plásticas rejuvenescedoras e com uma infância desprivilegiada passada no bas fond da velha Europa à imagem e semelhança das crianças prostitutas tailandesas. A senhora Ruth serviu esplendidamente a causa da barbificação da mulher para gozo único e exclusivo do paternalismo masculino de contornos desviantes e propósitos inconfessáveis.
Isto não é novidade, mas