a propósito desta
lembrança da
só maria recuei uns tempinhos para lembrar a altura em que andávamos muito ufanos de livrinhos forrados com papel pardo para a pide não ver que levávamos ali livros proibidos na altura eram mais os clássicos russos ou as três sereias que falava de umas ilhas onde toda a gente era muito liberal com o sexo especialmente as mulheres sim que nessas é que a gente vê a liberalidade dos homens ou seja em casa tem de ser tudo tradicional mas lá nas ilhas era tudo possível pelo menos na altura acabei por ler o livro às escondidas primeiro que a minha mãe e as amigas porque os papás foram lê-lo primeiro para ver se realmente não tinha nada impróprio para as mamãs vejam lá se há algo mais impróprio do que a censura enfim mas voltando ao que me trouxe aqui que foi o post da
só maria com um vinil do josé afonso que entre nós era apenas o zecafonso o pai do joão ainda antes o professor de história que me fez o exame de admissão ao liceu na beira que foi onde eu nasci e voltei mais tarde para estudar então eu estava esmagada pela enorme sala de aula do liceu colonial pêro de anaia porque há que ver que a minha escola primária em inhaminga era uma escola novinha com tecto de colmo para ser mais fresco mas sem paredes tínhamos um muro à volta das salas que era mais fresco e mais barato também convém notar que já na altura eram parcos os investimentos na educação e aquela era uma escola para todas as cores de gente não um liceu colonial de manhã tínhamos de pegar numa folha e limpar dos tampos das secretárias as caganitas dos morcegos que iam para as aulas à noite então terminando ali tive de ir à beira fazer a admissão nessa altura faziam-se as duas ao liceu e à escola técnica a dada altura lá me chamaram para o estrado só me lembro que tudo aquilo era imenso para quem só em setembro faria nove anos então ele o zeca que era vizinho do meu tio e eu até já conhecia de vista ou de rajada como todas as crianças que têm de cumprimentar adultos e escapar-se rapidamente para as suas urgentes brincadeiras arrastou a cadeira no estrado com um barulho que não foi só a mim que arrepiou os ouvidos perguntou-me coisas fáceis como a data da independência de portugal mais a instauração da república tudo coisas misteriosas para alguém da minha idade que ficava muito contente de as saber e recitar visto que isso dava um tão grande prazer aos adultos quando me ouviam depois perguntou também e
sabes por que é que os portugueses perderam o brasil ao que eu me lembrei do ipiranga que era um nome engraçado e do miguel e do pedro e de algumas datas que debitei por ordem como tinha empinado mas não era isso que o zeca queria
não senhora não nada disso tu não sabes mas eu vou dizer-te por que é que os portugueses perderam o brasil tremi juro que tremi aterrorizada por tão súbito falhanço
os portugueses perderam o brasil porque mamaram demais na vaca foi então que eu tive a certeza de que ia chumbar só podia com aquela voz zangada do zeca tinha acabado de me fugir o chão debaixo dos pés ainda deitei um olhar aflito à minha mãe e uma das senhoras que também estava à secretária com o zeca veio e levou-me até ao meu lugar na carteira ao lado da minha mãe enquanto outra bichanava ao ouvido dele felizmente alguém se lembrou de nos dar um intervalo quando voltei para a sala consolada pelo leite com chocolate e por uma torrada douradinha e ainda a cheirar ao fogão de lenha onde a tinham tostado o zeca já não estava e foi uma senhora que me fez as perguntas só das que eu sabia foi fácil o meu exame de admissão assim
aqui há três anos numa passagem de ano em santiago de compostela entrei num bar onde de repente a música de dança mudou para o zecafonso e toda a gente se levantou e cantou em conjunto praticamente todo o reportório dos vampiros ao venham mais cinco e era uma tal alegria que juro que me convenci que se calhar tinha havido um golpe de estado e a galiza se tinha tornado independente ou coisa assim mas talvez os galegos com o
chagrin julguem que o salazar passou a fronteira a salto e os foi assombrar para aqueles lados sei lá